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O sindicalismo revolucionário como estratégia dos Congressos Operários (1906, 1913, 1920)

category brazil/guyana/suriname/fguiana | história do anarquismo | opinião / análise author Friday April 19, 2013 04:36author by João Gabriel da Fonseca Mateus - MOVAUT - Movimento Autogestionário Report this post to the editors

Neste texto, publicado originalmente na revista Enfrentamento e tendo sofrido algumas modificações, o autor João Gabriel discute os congressos que marcaram o movimento operário do Brasil na Primeira República, afirmando que a estratégia desse movimento, a partir de suas deliberações congressuais, foi o sindicalismo revolucionário. Realiza, assim, duas afirmações relevantes: por um lado, contesta estudos anteriores que afirma que a estratégia do movimento operário brasileiro no período teria sido o anarco-sindicalismo; por outro, realiza uma relação entre o anarquismo e o sindicalismo revolucionário, fundamental para a compreensão da história do movimento operário no Brasil.
Imagem do enterro do operário espanhol José Martinez em São Paulo (1917)
Imagem do enterro do operário espanhol José Martinez em São Paulo (1917)

O objetivo deste texto é identificar e caracterizar a perspectiva de organização proletária assumida nos Congressos Operários de 1906, 1913 e 1920 na cidade do Rio de Janeiro. Objetiva-se ainda explicitar as mudanças entre as concepções assumidas nesses três congressos (o primeiro realizado entre 15 a 22 de abril de 1906; o segundo de 8 a 13 de setembro de 1913 e o terceiro congresso de 23 a 30 de abril de 1920), mostrando as similitudes e diferenças assumidas ao longo dessas duas décadas que separam esses congressos.

Tem-se como elemento norteador desse texto a estratégia utilizada pela classe trabalhadora que tem representado um acúmulo de experiências para os teóricos, compondo uma forma de autogestão social. A derrocada do sindicalismo revolucionário mostrou mais uma vez a força voraz do Estado de cooptar, reprimir e por fim à luta dos trabalhadores, sendo um inimigo da autoemancipação dos trabalhadores.

Este texto terá como fontes primárias as Resoluções dos dois primeiros Congressos Operários reunidas na obra Classe Operária no Brasil (1889 – 1930). Documentos – Vol 1. O Movimento Operário de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall , além do Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário de agosto de 1920 disponíveis no Arquivo Edgard Leuenroth da UNICAMP e alguns números do Jornal A Voz do Trabalhador, órgão da Confederação Operária Brasileira, também disponível ao público nesse centro de documentação.

O Primeiro Congresso Operário, realizado entre os dias 15 e 22 de abril de 1906 deu um passo significativo para a organização do sindicalismo revolucionário no Brasil fruto do “ascenso do movimento operário revolucionário” (SAMIS, 2004, p. 135). Porém, essa não foi a primeira organização de trabalhadores no Rio de Janeiro e no Brasil. Conforme Oscar Farinha Neto aponta, após as greves de 1903 na capital federal surge uma necessidade de criação de um órgão que “coordenasse o movimento das diversas classes trabalhadoras” (NETO, 2007, p. 21). E dessa necessidade irá surgir, neste mesmo ano, a Federação das Associações de Classe, cujo modelo de organização era inspirado no sindicalismo na versão de Émile Pouget, então secretário-geral da CGT francesa .

Essa nascente federação já contava com as bases pilares do que será a COB posteriormente: o internacionalismo. Com as influências da FORA (Federação Operária Regional Argentina) – de bases anarco-sindicalistas – a federação passa-se a chamar Federação Operária Regional Brasileira, com forte influência anarquista e que terá a possibilidade de uma reunião geral (Congresso) no ano de 1906.

Esse Congresso, chamado primeiramente de Congresso Operário Regional Brasileiro , contou com a participação de 43 delegados de vários estados do Brasil representando as 28 associações de trabalhadores. Em deliberação, aprovou-se a filiação (muito mais uma continuação) das teses do congresso ao modelo do sindicalismo revolucionário francês .

Do Congresso que surgirá a COB (oficialmente em 1908) está próximo aos moldes do anarco-sindicalismo da FTRE (Federación de Trabajadores de la Región Española) fundada em 1881 advinda da FRE (Federación Regional Española) de 1870 (CORRÊA, 2012, p. 218). Nesse congresso foi deliberado que não ocorreria nenhuma vinculação a partidos (ou a um modelo ou diretriz proletária), sendo que o congresso via “como ’única base sólida de acordo e de ação’ os interesses econômicos comuns a toda classe operária” (DULLES, 1977, p. 27). É compreendendo a realidade operária como uma interpretação do passado que a COB reafirmaria suas bases sem uma doutrina política única a ser seguida. Porém, há de ressaltar que os militantes anarquistas não eram a maioria, mas apesar disso, compunham a hegemonia do pensamento no interior do Congresso. De fato, isso não nos autoriza a dizer que o Primeiro Congresso Operário defendeu o anarco-sindicalismo ou o anarquismo. O Primeiro Congresso, como veremos adiante, assumirá o sindicalismo revolucionário e não, o anarco-sindicalismo.

Nos liames da compreensão do método federativo como “o único método de organização compatível com o irreprimível sentimento de liberdade”, o tema 3 das bases do Congresso, que tocava no assunto da organização, definia a federação como:

(...) a mais larga autonomia do indivíduo no sindicato, do sindicato na federação e da federação na confederação e como unicamente admissíveis simples delegações de função sem autoridade, e delibera, outrossim, fazer as necessárias práticas para a sua fundação (...). Delibera também que a Confederação só admita sindicatos cuja base essencial seja a resistência sobre o terreno econômico (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 49).

No tocante à Ação Operária, o Congresso aprovaria uma das bases pilares do sindicalismo revolucionário: a ação direta. A ação direta era composta por diversas ações, destacando-se a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem, etc.

SOBRE AÇÃO OPERÁRIA

Tema 1
“(...) o Congresso aconselha como meios de ação das sociedades de resistência ou sindicatos todos aqueles que dependem do exercício direto e imediato de sua atividade, tais como a greve geral ou parcial, a boicotagem, a sabotagem, o label, as manifestações públicas, etc., variáveis segundo as circunstâncias de lugar e de momento” (idem, 1979, p. 51).

Ainda de acordo com as Bases do Acordo da Confederação Operária Brasileira, aprovadas pelo Congresso, dever-se-ia constituir um jornal que levasse a cabo as lutas dos trabalhadores. Nesse sentido, o objetivo de criar o jornal A Voz do Trabalhador (nome já definido no Primeiro Congresso), seria o de “estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e defender em público as reivindicações econômicas dos trabalhadores (...)” (idem, p. 42).

O JORNAL

O órgão da Confederação será redigido por uma comissão escolhida entre os seus membros e pela Comissão Confederal e publicará, segundo esta ordem, de preferência:

1.°) Informações sobre o movimento operário e associativo;
a) Resumo das resoluções das sociedade aderentes;
b) Convocação e avisos das sociedades aderentes;
c) Artigos que a redação considerar contidos nos limites marcados pelas presentes bases de acordo, assim como redigidos de modo compreensível, e isentos de questões pessoais.

11 – O Congresso dirá, cada ano, se a redação do jornal correspondeu à confiança nela depositada (idem, p. 43).

O jornal A Terra Livre, que tem Neno Vasco como principal editor, no número de 13 de agosto de 1906 irá ressaltar que

A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado um caráter libertário, teria feito obra de partido, não de classe. (...) Mas se o Congresso se não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das nossas ideias (A TERRA LIVRE apud RODRIGUES, 1969, p. 131).

Dessa forma, o Congresso não se definiu como anarquista, mas assumiu um caráter revolucionário de bases sindicalistas. A outra grande preocupação do Primeiro Congresso Operário Brasileiro foi “a transformação de todas as entidades operárias em sindicatos de ofício, cujos objetivos seriam a defesa dos interesses econômicos e a resistência” (SEGATTO, 1987, p. 38).

É importante ressaltar que durante toda a Primeira República do Brasil, a imprensa operária foi um importante órgão da propaganda libertária. Nesse âmago, o periódico A Voz do Trabalhador circulou de 1908 até 1915 e era a publicação oficial da Confederação Operária Brasileira, (SILVA, s/d, p. 13) sob a direção do operário gráfico espanhol Manuel Moscoso.

Entendemos então que foi com o Primeiro Congresso Operário Brasileiro, que iria constituir a COB (Confederação Operária Brasileira) se instituiu um modelo organizativo revolucionário que naquele período foi de suma importância ao movimento operário revolucionário: o sindicalismo revolucionário. Todas as teses básicas do sindicalismo revolucionário – neutralidade sindical, federalismo, descentralização, antimilitarismo, ação direta, greve geral, antinacionalismo, violência revolucionária, etc. estão contidas nas declarações dos congressistas (NETO, 2007, p.26). Dessa forma, de acordo com Edgar Rodrigues, quando vem à tona esse novo tipo de sindicalismo ocorre uma substituição do sindicalismo de caráter reformista.

O sindicalismo reformista e possibilista dava lugar a um novo movimento operário de cariz revolucionário que, sem desprezar as reivindicações econômicas imediatas, introduziu novos objetivos como a instrução e a capacitação profissional, a cultura de seus associados através do esperanto, do conhecimento da história social e da filosofia. (...) O jornalismo, o teatro amador de contestação e a poesia, eram alguns dos meios usados pelo movimento operário para construir a sua própria cultura, tendo por meta o ideal social de autogestão Seu objetivo era provocar a derrocada do Estado, acabar com o regime de pobres e ricos, de exploradores e explorados, para reconstruir em cima das ruínas do velho sistema burguês uma Sociedade Nova, autogerida, onde todos tivessem direitos e deveres iguais. Estes temas começaram a ser frequentemente tratados na imprensa operária e social, tornando-se uma verdadeira escola para os trabalhadores ligados a este sindicalismo autônomo (RODRIGUES, 1997, s/p).

Muitos autores ao longo de suas produções confundiam ou colocavam o anarco-sindicalismo como sinônimo de sindicalismo revolucionário. Felipe Corrêa e Alexandre Samis fazem uma análise mais detida e que aprofunda essa discussão, não desvinculando um ou outro ao anarquismo, mas as analisando enquanto estratégias do anarquismo. Para o autor “o sindicalismo revolucionário nunca se colocou, explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo” (CORRÊA, 2011, p. 83). Porém, isso não deixa de vincular o anarquismo ao sindicalismo revolucionário.

O sindicalismo revolucionário é uma estratégia do anarquismo – um vetor social -, que foi impulsionada determinantemente pelos anarquistas, ainda que tenha tomado corpo em todo um contingente popular amplo de anarquistas e não-anarquistas, corpo esse que constituiu sua verdadeira base, e faz com que não seja possível atribuir completamente o fenômeno do sindicalismo revolucionário aos anarquistas (idem, p. 83).

O autor ainda continua:

“O que diferencia esse sindicalismo revolucionário do anarco-sindicalismo é que o primeiro nunca se vinculou explicitamente e conscientemente ao anarquismo, diferentemente do segundo” (idem, p. 83).

Assim, entende-se que uma organização anarco-sindicalista tem em suas bases, os princípios anarquistas; e uma organização sindicalista revolucionária, no caso o sindicato, não tinha nas suas bases apenas aos princípios anarquistas . Esta última, deveria ter o acúmulo de forças para “ser uma associação da classe trabalhadora, abarcando dentro de si quaisquer trabalhadores que, na condição de assalariados, e tendo em comum as necessidades econômicas, poderiam utilizar a ação direta como meio de luta” (idem, p. 135). Porém, é interessante dizer que os sindicatos foram um importante espaço de militância para os anarquistas nas décadas de 1900, 1910 e 1920 no Brasil, mas nunca o único espaço de organização. Afirmar isso seria negar toda a construção histórica de estratégias de luta que o anarquismo construiu ao longo de suas lutas e seria, no mínimo, um reducionismo com grandes consequências.

Ao analisar o Primeiro Congresso, Alexandre Samis cita o português e anarquista Neno Vasco, que afirmara: “O Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser. (...) Se o Congresso tivesse tomado caráter libertário [querendo dizer, anarquista], teria feito obra de partido, não de classe” (SAMIS, 2002, p. 196) [observação e grifo nosso].

No ano de 1912, após a organização do chamado Congresso Pelego feito por Mário da Fonseca, filho do presidente da República Hermes da Fonseca, a Federação Operária do Rio de Janeiro nomeou a Comissão Reorganizadora da COB com o intuito de rearticular a formação do Segundo Congresso Operário que aconteceria em setembro do próximo ano. De acordo com o historiador Alexandre Samis, deste Congresso que contou com a participação de duas federações estaduais, cinco federações locais e mais de cinquenta sindicatos, quatro jornais (A Voz do Trabalhador, do Rio de Janeiro; A Lanterna, de São Paulo; Germinal, de São Paulo e O Trabalho de Bagé, Rio de Janeiro), ligas e associações do país, a “representatividade havia crescido e, na sua grande maioria, as propostas do Primeiro Congresso foram corroboradas pelas plenárias de 1913” (SAMIS, 2004, p. 137). No entanto, o cerne das discussões deste Congresso girava em torno das questões de cooperativismo, carga horária diária de trabalho, salário mínimo, bolsas de trabalho e principalmente, do modelo organizativo, afirmando mais uma vez o sindicalismo revolucionário.

Os Temas

Tema 1

“(...) O Segundo Congresso Operário Brasileiro, mesmo tendo em conta a devida liberdade de preferências e de ação política dada aos sindicatos fora do sindicato, convida a classe trabalhadora do Brasil a, repelindo a influência dissolvente da política, dedicar-se à obra da orgabização operária sindicalista, que, considerada dentro da ação operária, é o meio mais eficaz e mais poderoso para a conquista de melhoras imediatas de que necessita para o fortalecimento da luta para a sua completa emancipação” (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 188).

De salutar importância é ressaltar que o Segundo Congresso aprovou um vínculo direto da organização com o anarquismo (anarco-sindicalismo, portanto), mas essa resolução nunca foi implementada, deixando as bases resolutivas do Congresso mantidas, confirmando as mesmas resoluções do Primeiro Congresso com algumas alterações de conjuntura, época, etc. (PINHEIRO e HALL, 1979, p. 188).
No limiar das discussões sobre o papel do Congresso, o que e como os trabalhadores deverão se organizar, surge a questão das bolsas de trabalho. Estas bolsas estavam em discussão pelo caráter quase integral que alguns militantes tinham na COB. Assim, definiu, por negar o funcionalismo burocrático. Assim,

o Segundo Congresso Operário Brasileiro entende que a obra essencial e primária da organização é a resistência e a propaganda e que, por isso, a instalação de bolsas de trabalho não deve nunca embaraçar a ação de resistência, devendo o serviço de colocação ser feito pelas próprias comissões administrativas dos sindicatos, para se evitar o funcionalismo burocrático (idem, p. 194).

As bases definidas no Segundo Congresso são mais eficazes e mais claras no que diz respeito à propaganda e à educação para os trabalhadores. Além da questão das bolsas de trabalho, instituiu-se a retomada de A Voz do Trabalhador, já que a imprensa operária “é o meio mais eficaz para orientar as massas populares” (idem, p. 196). É nesse contexto de apoio à imprensa operária que o trabalho de Maria Nazarteh Ferreira (1988) tem destaque ao apontar que existiam cerca de 343 títulos de jornais operário no território brasileiro. O reaparecimento do jornal oficial da COB foi um fator de ascenso desta organização, já que o próprio jornal era entendido como “ reflexo de todo o movimento operário do Brasil” (idem, p. 210).

Retomando as decisões do Segundo Congresso, ficou-se aprovado ainda na seção Moções de Solidariedade, o caráter internacionalista da luta pela emancipação humana. Moções de apoio foram mandadas à trabalhadores do México, CGT da França, trabalhadores de Portugal e da Espanha, para reafirmar “o espírito de solidariedade” que deve “estar de perfeito estado para todos os trabalhadores do globo” (idem, p. 202). Esta rede de solidariedade internacional daria cabo à criação no de 1915 do Congresso Internacional da Paz e ao Congresso Anarquista Sul-Americano, sendo que este último tinha o papel de “clivar diferenças sensíveis entre o sindicalismo e o anarquismo” (SAMIS, 2004, p. 138).

Continuando ainda os apoios, na Terceira Parte do Relatório da Confederação Operária Brasileira, veicula-se uma homenagem para Francisco Ferrer y Guardia, anarquista espanhol que foi fuzilado em 13 de outubro de 1909 pelo governo espanhol. Ferrer, o criador das Escolas Modernas foi caracterizado como um “homem que soube num decênio de penoso estudo constituir um exército de homens educados nos mais elevados sentimentos de solidariedade” e assim, “grande foi o abalo sentido pelo operariado consciente do Brasil” (idem, p. 210). Ainda destaca-se a decisão de recusar fórmulas burocráticas nos estatutos sindicais, além de reafirmar a propaganda anti-militarista e do internacionalismo.
Afirma Pinheiro e Hall (1979, p. 172),

O Congresso Operário de 1913 continuava a linha adotada pelo Congresso de 1906 (...). A linguagem é algumas vezes mais militante do que a do congresso anterior, e há alguns toques bastante ecléticos (como no tema 10), mas o teor geral continua a ser sindicalista-revolucionário, como em 1906. O folheto do congresso, que vai reproduzido abaixo, juntamente com as resoluções, também inclui informação sobre a preparação do congresso, e um pequeno histórico da Confederação Operária Brasileira (COB), que permitem compreender melhor o significado do congresso.

Cerca de um ano pós o Segundo Congresso Operário, no número 63 datado de 1º de outubro de 1914, o jornal A Voz do Trabalhador publicava uma apelo aos trabalhadores para se manifestarem novamente contra a Guerra Mundial. Neste número, o texto A Internacional Operária Contra a Guerra reafirmava o caráter internacionalista dos pressupostos defendidos pelo jornal e reafirmados no Segundo Congresso.
Diversas organizações operarias, atendendo ao apelo da Confederação Operaria Brazileira, realizaram em suas sédes, no dia 13 de setembro findo, comícios e sessões de protesto contra a atual conflagração europeia de solidariedade para com o operariado de todos os paizes em luta! Em diversas cidades, como no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Santos, etc., a policia, zelosa no apoio aos opressores das classes trabalhadoras, não permitiu a efetuação das manifestações operarias nem mesmo na séde de suas associações! Abaixo a tirania burgueza! Abaixo a guerra! Viva a solidariedade universal! (A VOZ DO TRABALHADOR, nº 63, 1º de outubro de 1914, p. 1).

Outro elemento recorrente na imprensa da COB era os apelos pela paz mundial. A Primeira Guerra Mundial que assolava a Europa tinha ecos no Brasil e aqui, o jornal A Voz do Trabalhador fazia apelos contra o militarismo. No número de 7 de abril de 1915, vem em destaque no artigo Pela Paz – O grande comício de hoje que esse movimento “de carater essencialmente internacional,a ajitação de hoje constituirá a primeira grande manifestação publica a favor da paz, contra a guerra”. E ainda, “insistimos vivamente para que nenhum dos nossos amigos deixe de, com sua prezença, contribuir para a impotencia a significação da manifestação” (A VOZ DO TRABALHADOR, nº 69, p. 2).

Na Europa o bolchevismo tornava-se vitorioso, colocando abaixo, via repressão, os conselhos operários. Tais acontecimentos tiveram ressonâncias em todo o mundo, causando o processo de criação de Partidos Comunistas, como por exemplo, o PCB. No caso específico do Brasil, vários militantes anarquistas irão arregimentar a justificativa do bolchevismo no Brasil , concordando com as teses da Terceira Internacional. Isso sem dúvida foi um elemento estruturante que contribuiu para a derrocada do sindicalismo revolucionário, se não, do anarquismo no Brasil.

No ano de 1920 organizar-se-á o Terceiro Congresso Operário Brasileiro que tem algumas particularidades que remetem a própria dinâmica que o país estava passando: a transformação do quadro industrial no Pós-Primeira Guerra Mundial. Conforme Neto (2007) aponta, a “I Guerra Mundial criou condições favoráveis ao rápido crescimento da indústria brasileira” (idem, p. 14). Além disso, vários acontecimentos, como por exemplo, as greves de 1917, sobretudo a Greve Geral de julho na cidade de São Paulo e suas ressonâncias, foram elementares para a nova dinâmica da COB.

De acordo com o Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, as questões do contexto são passíveis e necessárias de serem analisadas. Vejamos:

O 3º C.O.B., tendo em vista as condições particulares aos meios operarios do Brazil, reaffirma em suas linhas geraes as declarações feitas nos Congressos de 1906 e 1913; por outro lado, porém, examinando e ponderando a situação historica de facto em que se encontra o proletariado mundial neste momento, julga necessário estabelecer, em termos precisos, um criterio fundamental, positivo e realista, pelo qual deverão orientar-se todas as organizações, todas as lutas, todos os esforços dos trabalhadores do Brazil (Boletim da Comissão Executiva do 3º Congresso Operário, Ano I, nº I, agosto de 1920).

Assim, de acordo com Samis (2004, p. 139), o Terceiro Congresso realizado em 1920, defendeu a prioridade da sindicalização por indústrias, em “detrimento da organização por ofícios”, sendo que as decisões dos congressos anteriores são reafirmadas com certas questões particulares do próprio contexto. Essa resolução que aprovara a preferências pelos sindicatos de indústria em detrimento dos de comércio é bastante clara. Essa substituição reflete as alterações tecnológicas em curso, pois “preconizava a organização de sindicatos de indústria, em lugar dos sindicatos de ofício” (NETO, 2007, p. 14).

Outro elemento específico de declínio do sindicalismo cobista vem na década de 1920. O brasilianista Jhon W. Foster Dulles afirma que a Liga Operária da Construção Civil de São Paulo propôs ao Terceiro Congresso que se filiasse a Terceira Internacional, caso que não ocorreu por posições de Astrojildo Pereira (este se vinculará ao bolchevismo posteriormente) e Edgard Leuenroth . Porém, a decisão do Congresso foi o de “transmitir seus ‘votos de felicidade ao importante acontecimento de Moscou, cujos princípios ferais verdadeiramente correspondem às aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo o mundo’” (DULLES, 1977, p. 113). No entanto, a criação do PCB em 1922 e as disputas entre anarquistas e bolchevistas sob o controle dos sindicatos de resistência, que resultaram no conflito entre diversas federações, foi fator crucial de derrota do sindicalismo revolucionário. Concomitantemente, a constante repressão do Estado favoreceu para esta derrocada.

Por fim, compreende-se que os Congressos Operários foram assumidamente sindicalistas revolucionários, compostos por princípios que não são exclusivamente anarquistas. O sindicato que representava um espaço de luta do proletariado se tornou um empecilho e um amortecedor do conflito capital/trabalho. Essa conjuntura sócio-histórica tem algumas particularidades: a veemência repressiva do Estado, por exemplo, na terceira reformulação da lei Adolfo Gordo, de 1921, que previa a deportação dos indesejáveis (anarquistas, principalmente), a constância de deportações para Clevelândia (colônia penal situada no situada no atual estado do Amapá, entre 1924 e 1926) (SAMIS, 2002), a constância de invasões e prisões de redatores de jornais libertários, etc. Além disso, havia também um refluxo das lutas sociais após a contrarrevolução burocrática da Rússia, o processo de bolchevização das organizações sociais atreladas ao seu natural burocratismo (por exemplo, a eminência da vanguarda).

Assim, a força do burocratismo estatal dos sindicatos e, sobretudo, com a ascensão do Partido Comunista do Brasil na década de 20 e das medidas do governo getulista marcaram o caminhar a passos largos para o enfraquecimento, senão, para o fim do sindicalismo de bases revolucionárias para se tornar um local a ser combatido. Combater os sindicatos hoje se torna um passo importante para o fim da sociedade de classes.

João Gabriel da Fonseca Mateus

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLETIM DA COMISSÃO EXECUTIVA DO 3º CONGRESSO OPERÁRIO. Ano I, nº I, agosto de 1920.
CORRÊA, Felipe. Ideologia e Estratégia: anarquismo, movimento sociais e poder popular. São Paulo: Faísca, 2011.
CORRÊA, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma abordagem teórica. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
DULLES, J. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900 – 1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988.
Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação Operária Brasileira. Ano VII, nº 63, 1º de outubro de 1914.
Jornal A VOZ DO TRABALHADOR, Órgão da Confederação Operária Brasileira. Ano VIII, nº 69, 7 de abril de 1915.
NETO, Oscar Farinha. A Atuação Libertária no Brasil: A Federação Anarco-Sindicalista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007.
PINHEIRO, P. S.; HALL, M. A Classe Operária no Brasil (1889 – 1930) - Documentos – Vol 1. O Movimento Operário. São Paulo: Alfa-Omega, 1979.
RODIGUES, Edgar. Trabalho e Conflito. Pesquisa 1906 – 1937. Rio de Janeiro: Arte Moderna, s/d.
RODRIGUES, Edgar. Pequena história da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
RODRIGUES, Edgar. Socialismo e Sindicalismo no Brasil – 1675 – 1913. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.
SAMIS, Alexandre. Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.
SAMIS, Alexandre. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil. In: COLOMBO, Eduardo (orgs.). História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Expressão e Arte & Imaginário, 2004.
SAMIS, Alexandre. Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002.
SEGATTO, José Antonio. A Formação da Classe Operária no Brasil. São Paulo: Mercado Aberto, 1987.
SILVA, J. O Nascimento da Organização Sindical no Brasil e as Primeiras Lutas Operárias (1890-1935). S/d.
VASCO, Neno. Concepção Anarquista do Sindicato. Porto: Afrontamento, 1984.

author by fabio luz - COB-ACAT/AITpublication date Sat Aug 24, 2019 12:13author address author phone Report this post to the editors

COB-ACAT/AIT
sobre os falsos profetas de sempre!
Decreto n. 4269 de 17 de janeiro de 1921
Vale lembrar que a propaganda anarquista veio sofrer seu golpe legal mais direto apenas em 1921, com o decreto número 4269 de repressão ao anarquismo. Apesar de não fazer menção direta ao anarquismo uma só vez, o decreto procurou restringir principalmente a propaganda subversiva “por escrito ou por qualquer outro meio de publicidade, ou verbalmente” que incitasse à prática de crimes “tais como dano, depredação, incêndio, homicídio, com o fim de subverter a ordem social”. (Decreto n. 4269 de 17 de janeiro de 1921 in:
Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1921 (vol. I – Atos do Poder Legislativo – janeiro a dezembro). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922.)
Estúpida Sinfonia
Onde falsos profetas uniram-se a burguesia para destruir
as conquistas do proletariado.
Associação Internacional dos Trabalhadores!
Aqui hoje e sempre na construção da revolta final.
MOVIMENTO LIBERTARIO BRASILEIRO,
CONFEDERAÇÃO OPERÁRIA BRASILEIRA – A.I.T.

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