user preferences

Search author name words: BrunoL

Uma resposta para as críticas senderistas/maoístas e sua campanha de desinformação sobre Abdullah Ocallan

category internacional | imperialismo / guerra | opinião / análise author Thursday March 05, 2015 08:51author by BrunoL - 1 of Anarkismo Editorial Groupauthor email blimarocha at gmail dot com Report this post to the editors

Bruno Lima Rocha

Antes de iniciar cabe uma reflexão. Entendo que este portal e os perfis que o espelham em redes sociais não formam necessariamente um espaço apropriado para o debate de tipo corrente política. E, tampouco o tipo de leitor@s que temos não é exclusivamente militante e nem de esquerda engajado. Talvez a virtude deste portal (e perfis) seja justamente esta, dar um tratamento analítico e linguagem jornalística para temas de fundos bem ásperos.
Nesta obra publicada em espanhol e facilmente obtida através da internet, Abdullah Ocallan condensa as bases de pensamento do Confederalismo Democrático e isola qualquer possibilidade de desinformação ou manipulação de ideias.
Nesta obra publicada em espanhol e facilmente obtida através da internet, Abdullah Ocallan condensa as bases de pensamento do Confederalismo Democrático e isola qualquer possibilidade de desinformação ou manipulação de ideias.

Diante disso, teremos uma postagem distinta. O link que segue entre parêntesis (http://solrojo.org/mpp_doc/SR42_avance_audaz.html) foi publicado pelos herdeiros das ideias de Abimael Guzmán, líder carismático da corrente senderista, representantes do maoísmo peruano nas décadas de ’70, 80 e 90 do século XX. O texto proporciona (e necessita) da contra-crítica necessária para dirimir equívocos além de desmontar a aparente virulência da verborragia de tipo autoritária-sectária, típico de ideologias de Estado, no caso de forma milenarista e ancorada em antigas tradições hiper-autoritárias. Uma destas tradições localizadas no documento tem origem (e por isso a esconde) na relação entre confucionismo e o maoísmo da Revolução Cultural e do Grande Salto, e sua versão andina, como o incaísmo (nunca admitido) de Abimael Guzmán e o 7o racha do PCP, também conhecido como Sendero Luminoso.

Ambas as experiências são a prova cabal - na visão deste analista - que é possível mesclar heroísmo das "massas" com desinformação e manipulação de tipo carismática. É justamente este horror societário que vem se dedicando a escrever páginas sem fim caluniando e difamando a produção teórica e a liderança de fato de Abdullah Ocallan, afirmando que o militante do Curdistão houvera capitulado. Vou contrapor este absurdo completo no texto que segue, contando com a compreensão de quem aqui acompanha, pois desta vez trata-se de análise política de rigor e com intenção normativa de tipo libertária.

Ocallan e Mandela - o absurdo da comparação

Conforme já fora citado acima, começo contrapondo a absurda comparação entre Abdullah Ocallan e Nelson Mandela. Os senderistas correlacionam o saudável afastamento das posições marxistas com o abandono da soberania popular no Curdistão e entendem - como estatistas que são - que a única soberania possível é através da construção de um Estado, logo, Estado nacional. A comparação com Mandela pode ser positiva no sentido da resistência do militante e advogado sul-africano, mas é incomparável se levarmos em conta a posição de ambos.

Quem se ater a ler as propostas de trégua com a Turquia, mesmo as levadas adiante através da frente legal do HDP, vai ver que se trata de acordo substantivo, onde o programa do KCK é levado adiante e entra como baliza da negociação. Ao afirmar a necessária soberania popular para além das fronteiras nacionais, a proposta do Confederalismo Democrático foi desenvolvida antes da primavera árabe e da guerra civil na Síria. Foi esta guerra que levou a oportunidade de criação dos cantões de Rojava, com soberania de fato caminhando para um estatuto de confederação com Damasco ou o que restar do governo alauíta. O programa dos cantões já era anterior, a chance histórica veio com a crise do governo dos Assad e a heroica resistência dos povos do Curdistão Oeste.

Já o chamado afastamento do marxismo, considerando que boa parte do marxismo - ou quase a totalidade - é associado com industrialismo, capitalismo de Estado (vide o modelo soviético e as críticas de Ocallan ainda no período do final da Guerra Fria) e controle estatista de regime de partido único sobre a população, sinceramente entendo que é algo muito positivo e, de fato, revolucionário. O marxismo mais ventilado existe em sentido filosófico e como pensamento crítico heterodoxo nas universidades do ocidente - tal é o caso da dissidência húngara pós-56 ou do pensamento da antiga Iugoslávia de Tito (com sua co-gestão, ou quase autogestão). Como ideologia de Estado e força operacional contra o capitalismo, as experiências de tipo soviético foram tétricas e as do maoísmo - embora com natureza distinta - também foram horrorosas.

Mao Zedong manipulou as forças das massas para sua disputa interna contra a burocracia por ele mesmo alimentada, jamais rompeu com a ideia de mandarinato e terminou por levar a cabo uma ditadura confuciana em nome do proletariado industrial ou do agrarismo radical. Neste segundo item, o professor de filosofia de Ayacucho (Abimael Guzmán) se equivale e aponta como meta de chegada a regressão das forças produtivas para aumentar o seu domínio sobre a população originária a partir do monopólio da força que o Sendero exercia nas comunidades quéchuas. Nas ideias-chave de Gonzalo e de Mao (ainda que no período da Revolução Cultural) um fragmento significativo de pensamento ecológico, controle social coletivo, participação popular com plenitude de direitos e crítica e tampouco liberdade de pensamento. Justo o oposto de qualquer uma das obras básicas de Ocallan, apesar de sua péssima condição de vida e ainda pior condição de produção intelectual.

Para fundamentar a crítica, coloca abaixo a desinformação que consta em documento senderista-maoísta e de ampla circulação na internet mais à esquerda na América Latina

"En este periodo es cuando se van aclarando las ideas y las situaciones para algunos. Los dirigentes en la lucha justa del pueblo kurdo por ejemplo, van decantando después de los genocidios contra su pueblo; tienen que sentar su posición de no ser ficha de ninguna potencia o superpotencia imperialista, tienen que definir sí van a tomar el camino revolucionario o regirse del bastón de mando del traidor Öcalan, que desde la cárcel, en manos de la reacción, en su afán por ser el Mandela de Kurdistán, va difundiendo la capitulación, la conciliación con los explotadores genocidas y el abandonamiento del marxismo."

Aprofundando as críticas contra o esforço de desinformação vindo de senderistas/maoístas a respeito das posições públicas de Abdullah Ocallan

Dando sequência na polêmica, podemos verificar que de fato, não há termos de comparação entre a liderança legítima de Ocallan e o perfil carismático e autoritário, tanto de Mao Zedong como de Abimael Guzmán. Em Mao, verificamos que graças à manutenção da lógica da geopolítica e do mais cínico do realismo, a China e a URSS rompem relações em 1962, concluindo a primeira fase da Guerra Fria e, de fato, resultando no início da vitória dos EUA-Otan. Em contrapartida, pela lógica da negociação pragmática e a adesão ao estilo ocidental, bastaria para Ocallan condicionar sua liberdade com a aceitação do KRG sob domínio do KDP e estava resolvido. Seria um sócio menor do ocidente e das empresas de petróleo, como é o caso de Barzani e outros oligarcas (curdos ou não). Mas, ao contrário, a proposta é a ampliação da soberania popular para todo o Curdistão, tentando sepultar de fato a soberania jurídica falsa atribuída por França e Inglaterra com o infeliz acordo Sykes-Picot.

Já na comparação com Abimael Guzmán, além dos fatores citados acima, a conduta de Ocallan como preso político foi, é, e tem sido exemplar; já não podendo ser repetido o mesmo a respeito do "Camarada Gonzalo". Mesmo considerando que a conduta de Guzmán seja algo polêmica - até pela falta de informação e a compreensão da tortura selvagem ao qual o professor de filosofia fora submetido - podemos comparar em termos institucionais. A organização política do PKK, seu guarda-chuva político, militar e social só vem crescendo durante a última década e meia, sem nenhum grau de degeneração. Justo o oposto do ocorrido com Mao ainda em vida e ainda pior depois de seu falecimento. As culturas políticas autoritárias se escoram em lideranças carismáticas e cultos de personalidades. Eu mesmo fiz tal pergunta diretamente ao PYD (na entrevista já publicada em inglês neste portal) e tal fato fora severamente negado. A liderança intelectual de Ocallan é incontestável e através de sua obra - complexa embora não muito alargada - houve a transferência do pensamento para a estrutura existente do PKK em toda a sua abrangência. Convenhamos que não é fácil resistir e expandir sua proposta concorrendo de forma bélica com o segundo maior contingente da OTAN e por largos 30 anos.

Logo, se houve “abandono do marxismo” por Ocallan, foi por lealdade às ideias de libertação dos povos do Curdistão, e por não cair na mesma proposta e armadilha de retomar um Estado-nacional e torná-lo sinônimo de industrialismo e exploração irracional dos recursos naturais. Portanto, na comparação com Mao e Guzmán, nota-se a diferença substantiva tanto na obra escrita, como na obra da vida e no aporte para uma realização social que ultrapassa as armadilhas da geopolítica e da herança do imperialismo na região mais conturbada do planeta. Assim, observamos um autêntico desespero - em função da falta de legitimidade - que o marxismo em geral, e as correntes mais autoritárias (stalinistas-maoístas e suas derivações) observam ao perceberem as chances reais de uma construção de tipo socialista não estatista ou autoritária.

Apontando conclusões

Reconheço que ampliei esta contra-crítica e é chegado o momento de difundi-la em português para na sequência traduzi-la ao castelhano e depois ao inglês. O fiz pela permanência deste tipo de pensamento autoritário mesmo dentre valiosos militantes brasileiros e de países e regiões latino-americanas. Portanto há uma necessidade de dar esta polêmica e livrar o bom combate do debate direto. Por fim, convido aos leitor@s a pesquisarem o projeto de poder popular implantado pela extinta força político-militar MRTA - no Peru dos anos `80 e `90 - e compará-la com as realizações e formações sociais concretas promovidas pelo Sendero Luminoso.

A primeira trata de democracia direta e com ampla participação de todos os grupos políticos dentro da hegemonia militar do MRTA. Já o segundo reproduz o pensamento único em formas sociais únicas, onde só havia permissão por parte dos senderistas em organizar uma representação por setor de interesse ou reivindicativo. Podemos reconhecer que a necessidade fez mudar a forma de alianças de outras agrupações maoístas latino-americanas, mas no fundo segue a teoria de partido único e suas mazelas totalitárias.

Esta péssima escolha de reforço autoritário é justo o oposto daquilo que publicamente se lê nos textos de Ocallan e que está sendo implantado na prática enquanto a esquerda curda vai coordenando a luta contra o totalitarismo de tipo religioso do ISIS e outras gangues jihadistas.

Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais

site: www.estrategiaeanalise.com.br
email: strategicanalysis@riseup.net
Facebook: blimarocha@gmail.com

This page can be viewed in
English Italiano Deutsch
© 2005-2024 Anarkismo.net. Unless otherwise stated by the author, all content is free for non-commercial reuse, reprint, and rebroadcast, on the net and elsewhere. Opinions are those of the contributors and are not necessarily endorsed by Anarkismo.net. [ Disclaimer | Privacy ]